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USO DE GARAGEM – PRIVAÇÃO DO USO DE COISA COMUM
O Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) decidiu que a mera privação do uso de uma garagem por um comproprietário em relação a outro constitui um dano indemnizável, sendo o valor da indemnização fixado com recurso à equidade.
O caso
O proprietário de uma garagem de um prédio em regime de propriedade horizontal viu-se impedido de aceder à mesma depois do administrador do prédio ter procedido à alteração da fechadura do portão comum e do comando que dava acesso às frações autónomas correspondentes aos lugares de garagem, chave e comando que só lhe foram entregues em cumprimento de um acordo alcançado em tribunal.
No entanto, não lhe foi entregue a chave de acesso à sua própria garagem, a qual fora entretanto mudada pela sua ex-mulher, sem que ninguém lhe tivesse entregue uma nova, tendo o mesmo ficado privado de utilizar a garagem, bem como de aceder aos objetos que estavam dentro da mesma.
Em consequência, recorreu a tribunal, agindo contra a sua ex-mulher, os seus filhos e o administrador do condomínio.
O tribunal decidiu absolver o administrador do condomínio, por falta de legitimidade para a ação, condenando a ex-mulher do proprietário a entregar uma chave de acesso à garagem e o autor no pagamento de uma indemnização por litigância de má-fé, decisão da qual o mesmo recorreu para o TRG.
Apreciação do Tribunal da Relação de Guimarães
O TRG concedeu parcial provimento ao recurso, mantendo a condenação da ex-mulher na entrega de uma chave que permitisse ao autor aceder à garagem, mas condenando-a no pagamento de 1.000 euros pela privação do uso da garagem e dos bens que lá se encontravam, desde março de 2020, absolvendo os restantes réus, bem como o autor do pedido de condenação como litigante de má-fé.
Decidiu o TRG que a mera privação do uso de uma garagem por um comproprietário em relação a outro constitui um dano indemnizável, sendo o valor da indemnização fixado com recurso à equidade.
Estando em causa um imóvel que integra o património comum do extinto casal, ainda não partilhado, aplicam-se as regras da compropriedade, sendo que, na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, desde que não a empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito. Isto porque os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular.
Esse uso da coisa comum não pode ser afastado pelo facto de um dos proprietários ter sido condenado em processo-crime por violência doméstica numa pena acessória de proibição de contactos com a outra proprietária, sua ex-mulher, e no seu afastamento da residência daquela, respeitando uma distância de, pelo menos, 500 metros. Essa condenação não limita o direito de propriedade do autor, sendo possível o uso da coisa comum através de variadas formas e mesmo por interpostas pessoas.
Tendo a comproprietária substituído a chave de acesso à garagem, impedindo o outro comproprietário de a usar, privando-o do uso da mesma, essa mera privação do uso constitui, por si só, um dano indemnizável, já que representa, para o seu proprietário, a perda de uma utilidade que é a de usar a coisa quando e como lhe aprouver.
Essa perda da possibilidade de utilização do bem quando e como lhe aprouver tem valor económico devendo recorrer-se para o cálculo da correspondente indemnização à equidade, por não ser possível avaliar o valor exato dos danos.
Quanto à litigância de má-fé, esta constitui uma sanção civil para o inadimplemento gravemente culposo ou doloso dos deveres de cooperação e de boa-fé processual. Mas não é por não se ter provado a versão dos factos alegada pela parte e se ter provado a versão inversa, apresentada pela parte contrária, que se justifica, sem mais, a condenação da primeira como litigante de má-fé, exigindo-se para o efeito sempre uma atuação dolosa ou gravemente negligente da parte. No caso, não se verificando qualquer conduta desrespeitosa do autor perante o tribunal ou perante a parte contrária, não derivando do seu comportamento uma vontade consciente e reprovável com vista a impedir ou entorpecer a ação da justiça, não se justifica a sua condenação como litigante de má-fé.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo n.º 2924/20.0T8BRG.G1, de 24 de março de 24 de março de 2022
Código Civil, artigos 566.º, 1305.º, 1405.º e 1406.º n.º 1
Código de Processo Civil, artigos 542.º e seguintes
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